Peço desculpa ao acaso por lhe chamar necessidade.
Peço desculpa à necessidade se todavia me engano.
Não se zangue a felicidade por a tomar como minha.
Esqueçam-se de mim os mortos porque já mal se me esboçam na
memória.
Peço desculpa ao tempo pela quantidade de mundo que por segundo omito.
Peço desculpa a um amor antigo por considerar este novo o primeiro.
Perdoem-me as guerras longínquas o trazer flores para casa.
Perdoem-me vós, feridas abertas, por me ter picado num dedo.
Peço perdão a quem grita do abismo por este disco de um minuete.
Peço desculpa às gentes nas estações, pelo meu sonho às cinco da manhã.
Sinto muito rir-me às vezes, ó esperanças perseguidas!
Sinto muito, deserto, não correr uma gota de água.
E tu, gavião, há tantos anos o mesmo, nessa mesma gaiola,
de olhos fixos sempre no mesmo ponto, sempre imóvel,
desculpa-me, mesmo se fores ave empalhada.
Desculpa-me, árvores cortada, as quatro pernas da mesa.
Desculpem-me as grandes questões pelas respostas pequenas.
Verdade, não me prestes uma atenção forte de mais.
Coragem, concede-me a generosidade.
Tolera, mistério do ser, o eu depenicar linhas da cauda do teu vestido.
Não me acuses, alma, por tão raro te ter.
Que o tudo me desculpe eu não poder estar em toda a parte.
Quem me desculpem todos, por não saber ser um e uma.
Eu sei que, enquanto viver, nada me justifica, pois eu própria a mim
sirvo de estorvo.
Não me leves a mal, fala, eu requisitar termos patéticos,
e acrescentar depois dificuldade, para que pareçam leves.
Wislawa Szymborska, in Paisagem com Grão de Areia, Relógio d'Água, 1998.
2 comentários:
Estou a ficar com um fraquinho por este poema.
Não falo Polaco e também por isso não li o original, ainda assim, arrisco dizer, que o tradutor - Júlio Sousa Reis -, merece parabéns.
De acordo, são bem merecidos os parabéns... :))) Poesia lúcida desta escritora...
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