Impreparado ainda
te procuro na sombra,
Venho adiante,
proa que deslizas,
maré que me renova.
Destroçado, um torso
lavado e límpido,
da própria água obscura,
eis o que à praia jogo,
na líquida impulsão,
atirado na areia
de sede mais ardente.
E na água me envolvo,
me afundo corpo novo,
e movimento, abraço,
e me confundo e me abarco,
os nomes me atravessam,
outros nomes procuro,
iguais ao dia que desejo,
à mulher que ondula
e da salsugem surge,
mais branca, mais real.
E é um torso, um dorso
que a água move,
trabalha,
donde despontam brancos
membros,
que na superfície ondeiam
e altos se levantam
cheios de luz.
Assim nasce o possível,
se mais fundo o procuro
e se largo demoro
na sede do ar,
no côncavo da água,
se mais fundo respiro
e formo os membros livres.
Aprendo a prender-te.
soltando-te
e impelindo-me
para a forma que desato
- rígida e macia
seiva que transluz.
Tronco é que te quero,
redondo animal
de delicadas palmas,
afeito às ondas
- largas ancas
rodopiantes pernas
- sobre a terra
mas formado no mar.
António Ramos Rosa, Sobre o Rosto da Terra (1961)
Sem comentários:
Enviar um comentário