A permanente retirada para um equilíbrio totalitário e a expectativa de sentirem-se ininterruptamente adaptados ao meio, é o trilho para viverem longe da vida. O ego é uma simples criaturazinha caprichosa e estúpida. A conjectura racional, uma escada para o desespero. A demanda da sociedade sugadora é ser saudável como nos spots publicitários dos iogurtes com bifidus activos. O que parece estar estrago é de imediato reparado. Investem em filosofias terapêuticas, livros do Paulo Coelho, profecias celestinas, Psicologia de hipermercado em promoção, cínicos saberes ancestrais e charlatães de classificados. Nesta circunstância, a vida resume-se a uma oficina de restauros. A missão é exterminar todos os obstáculos, todos os vestígios que obstruem uma existência despreocupada, fútil e leviana. Aclamada é a fantasia de salvação. Ignorar os espectros sombrios é uma ordem, o medo, os aspectos infelizes e todos os devaneios não ganham lugar. A reflexão não é necessária, é engolida pela ilusória pretensão de bem-estar.
O povo moderno deseja sempre mais e mais e o sentido de realidade é diluído. Peculiares são os ciclos da vida que sussurram “prazeres presentes exigem dores antigas”. Momentos felizes não existem sem fracassos anteriores. O povo moderno não aceita tamanho holocausto interior. Não adianta girar a roda da vida ao contrário, a necessidade de sofrimento é unida ao desejo de felicidade.
Com maravilhas e malogros poderá o equilíbrio ser monótono? Os sintomas emocionais, hábitos neuróticos, problemas dispersos e complexidades despoletam um futuro em transformação. O fracasso a longo prazo tem uma forma. As neuroses, o limiar debilitante, o terrível arrojar da dimensão do abismo devem ser fontes preciosas que necessitam de um refinamento constante. Fontes alternativas para um realizável processo de individuação, para se erguerem personalidades fascinantes.
Descartar as situações incomodativas, as confusões, os pontos fracos com o intuito de uma higiene psicológica, é unicamente o caminho mais fácil. Existe o outro lado. Aceitar as limitações com um amor profundo, reconhecer os dois pólos, o bom e o mau e, lidarmos com o mal de uma forma criativa para uma possível existência vital. Como Pico della Mirandola afirmou “Saturno indica uma natureza intelectual e torna as pessoas contemplativas”.
